sexta-feira, 5 de julho de 2013

Warwick Estevam Kerr, um brasileiro, Doutor honoris causa da Unicamp! Grande parte de sua brilhante carreira foi em Rio Claro, Horto Florestal Tive a honra de assistir suas palestras. Grande brasileiro!


Warwick Estevam Kerr,
um brasileiro, é Doutor
honoris causa da Unicamp, 

Abaixo recebendo em mãos de Álvaro Kassab uma das inúmeras condecorações recebidas em sua brilhante carreira!


Warwick Estevam Kerr é um cientista que não costuma usar meias palavras. Não gosta de tergiversar e é pouco afeito às frases rebuscadas. Sua sinceridade, não raro, desconcerta o interlocutor. Entretanto, nada há de ostensivo em suas intervenções, invariavelmente bem-humoradas. Foi assim, por exemplo, na cerimônia em que recebeu o título de Doutor honoris causa da Unicamp, no último dia 13, durante assembléia extraordinária realizada na sala de reuniões do Conselho Universitário (Consu). Em seu discurso, Kerr deixou de lado o protocolar para ler algo próximo de uma crônica de costumes, na qual fundiu fatos de sua trajetória e “causos” de caboclos. Estes últimos, reconhece o professor com modéstia, foram fundamentais em sua formação, desde sua infância na cidade paulista de Santana de Parnaíba, onde nasceu em 1922, até a consolidação de uma carreira que o colocou no mais alto patamar mundial da genética de abelhas.

O caboclo, no caso, não é uma abstração. Sua mais completa tradução seria a população brasileira, sobretudo aquele estrato composto pelos mais necessitados, para quem – e com quem – Kerr dedicou boa parte de sua produção científica, fosse ela desenvolvida nos laboratórios, onde formou centenas de pesquisadores, fosse no trabalho de campo e na sua respectiva aplicabilidade. Como lembrou o reitor José Tadeu Jorge durante a cerimônia, o cientista trabalhou em praticamente todas as regiões do País. Foi professor da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (Esalq), da Unesp-Rio Claro, da USP-Ribeirão Preto e, depois de aposentado, entrou numa Kombi e aceitou o desafio de integrar o quadro de docentes da Universidade Federal do Maranhão (UFM). No mesmo Estado, chegou a reitor da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA). Atualmente, o cientista comanda duas linhas de pesquisa na Universidade Federal de Uberlândia (UFU), onde está desde o início da década de 90 no Departamento de Genética e Bioquímica.


O cientista, generosa e informalmente, tem por hábito enfileirar nomes de auxiliares “caipiras”, a maioria dos quais sem escolaridade, colocados no mesmo nível de doutorandos e pesquisadores. Na sua avaliação, esses personagens foram fundamentais nos estudos sobre abelhas e nas dezenas de experimentos de melhoramento genético de alimentos – a equipe de Kerr, para ficar num exemplo, desenvolveu uma variedade de alface 20 vezes mais rica em vitamina A. Entusiasma-se da mesma forma ao mencionar o trabalho desenvolvido com o auxílio de índios em aldeias do Amazonas, onde esteve a trabalho nas duas vezes em que dirigiu o Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), tornando a instituição referência mundial em biologia tropical. Um número incontável de índios e ribeirinhos sobrevive hoje da meliponicultura, produzindo com base nos ensinamentos deixados pelo professor.

Sua paixão pelas coisas do Brasil foram manifestadas à frente de outras instituições. O engenheiro agrônomo foi o primeiro diretor científico da Fapesp (1962-1964), onde pavimentou as bases da agência de fomento. Socialista convicto, presidiu a SBPC (1969-1973) num período em que a entidade era uma das vozes de resistência ao regime militar, o mesmo que antes já havia trancafiado Kerr por duas vezes. Na primeira, em Rio Claro, exatos 11 dias depois do golpe, por se insurgir contra a prisão de um rapaz negro; a segunda, em 1967, depois de discursar contra a tortura durante uma aula na Faculdade de Medicina de Ribeirão. O motivo: Kerr havia visto a freira Maurina Borges, presa e torturada pelos agentes da repressão, desfalecida numa cadeia da cidade. A religiosa, que dirigia um orfanato, pouco mais tarde figuraria na lista de presos políticos libertados em troca do embaixador norte-americano Charles Elbrick, seqüestrado em 1969 por integrantes de agrupamentos da esquerda. O geneticista, por sua vez, foi enquadrado na Lei de Segurança Nacional e proibido de deixar o país.


Kerr e suas pesquisas inéditas já haviam corrido o mundo. Entre 1950 e 1952 o cientista havia sido professor visitante das universidades da Califórnia e de Columbia. Seu trabalho sobre determinação de castas em abelhas sem ferrão, realizado no início da década de 1950, tornou-se referência mundial. Em 1957, numa viagem à África, o engenheiro agrônomo, a pedido do governo federal, trouxe rainhas africanas que foram colocadas numa reserva de eucalipto na cidade paulista de Camacuã. Problemas de manejo fizeram com que os apicultores perdessem o controle sobre o enxameamento. Pessoas e animais foram picados, mas Kerr fez da adversidade objeto de pesquisa. Com o auxílio do professor Lionel Gonçalves, da USP, criou um híbrido das espécies africana e européia. Esses geneticistas são considerados os maiores responsáveis pelo salto de produtividade dado pela apicultura nacional na segunda metade do século 20.

Reconhecido nacionalmente como formador de equipes de pesquisadores, Kerr tem discípulos espalhados pelo país. Um deles, a professora Maria Luiza Silveira Mello, do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, foi quem propôs à Universidade a concessão do título ao seu mestre na antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Rio Claro, embrião da Unesp. Além das abelhas, Kerr dedica-se a pesquisas de fruteiras e hortaliças, áreas em que atuou em toda a sua carreira. Seu objetivo atual: produzir uma espécie de pequi sem espinho. Para levar adiante o seu projeto, conta com a ajuda de Francisco Raimundo da Silva, técnico responsável pelo plantio. Nome mais brasileiro – e caboclo –, impossível.


Jornal da Unicamp – Como o senhor recebeu essa homenagem da Unicamp?
Warwick Estevam Kerr – Tenho vínculos de amizade com muita gente da Unicamp. Fiquei muito contente, mesmo porque nunca havia recebido um título de Honoris Causa. Tenho até outros títulos – fui, por exemplo, o primeiro brasileiro a ser eleito para a Academia de Ciências dos Estados Unidos, mas não dei grande importância. Esse título concedido pela Unicamp me deixou muito honrado. Trata-se de uma universidade que se está distinguindo entre todas do Brasil. É dona de uma invejável produção científica, além de ter fornecido um número muito grande de professores para outras instituições. Falou que é da Unicamp é sinônimo de excelência; já melhora o “currículo” da pessoa em todos os sentidos.

JU – Que avaliação o senhor faz dos avanços do Brasil no campo da genética?
Kerr – O Brasil vai muito bem. Só não vai melhor porque as fontes de financiamento do governo têm sido muito boas para “mensalões” e muito ruim para ciência e tecnologia. Os salários dos professores nas universidades federais são muito baixos. Não é possível termos professores titulares, por concurso, ganhando um salário inicial de R$ 2, 9 mil. O problema é que nossos administradores são péssimos. Veja o caso da Espanha: em 10 anos, por meio do investimento maciço, passou a ser o Estado latino com os melhores indicadores na educação. Os números da Coréia do Sul também comprovam que vale a pena investir em educação.

JU – Como humanista, que avaliação o senhor faz da genética à luz da ética. A sociedade está preparada para as mudanças?
Kerr – Tenho um pouco de medo. Sou favorável ao uso de células tronco, especialmente com relação àquelas que vão ser destruídas. Elas não serão usadas para fazer outras pessoas, mas para salvar. Por outro lado, tenho medo por exemplo, de uma coisa que li por esses dias: estão querendo tirar os órgãos de uma criança anencéfala. Vou dizer com franqueza: se fosse o meu filho, eu não deixaria. Podem até argumentar que uma criança anencéfala vai morrer mesmo, mas não estou preparado para tomar essa decisão.

JU – Como o senhor vê a biopirataria?
Kerr – Se for para preservar a saúde do brasileiro, eu também faço biopirataria... Deus pôs essas coisas no mundo para o bem da população. Não ligo muito para a biopirataria porque acho que nós também temos que fazê-la quando for em benefício do povo. O veneno da cascavel, por exemplo, tem um anestésico 60 vezes mais potente que o da morfina. Isto é formidável. Temos casos como este às dezenas no país que precisam ser usados por nós e pelo resto do mundo.

JU – O senhor disse recentemente que o Brasil precisaria de uma seqüência de cinco presidentes inteligentes para salvar a Amazônia. Por quê?
Kerr – Não adianta apenas um presidente inteligente – o outro vem e destrói...Não sou crítico, por exemplo, das viagens do Lula. Seu antecessor também viajava... Sou crítico de sua inoperância na área da educação. No que diz respeito à questão ambiental, acho que se deve pôr na cadeia os mandantes dos desmatamentos, não só aqueles que destruíram. Não tem ninguém preso. E estamos falando da destruição da maior mata do mundo, que é a floresta amazônica. Para pôr gente na cadeia é preciso morrer uma freira americana. Tenha a santa paciência! Acho adorável a nossa ministra do Meio Ambiente, mas ela anunciou que o nosso desmatamento diminuiu 30%. Não é possível! Deveria ter diminuído 90%. Repito: é preciso pôr na cadeia os mandantes. Sabemos que tem até governador envolvido com práticas criminosas dessa natureza... E está solto.JU – O desmatamento não só continua, como vem aumentando...
Kerr –

JU – O senhor acha que o quadro pode mudar?
Kerr – Acredito, mas só se tivermos uma seqüência de bons presidentes. Precisamos de 20 anos para reverter essa situação. Precisamos também de bons deputados. Sem o Legislativo, fica difícil.

JU – E na esfera das políticas públicas?
Kerr – Em primeiro lugar vem a educação; depois, a saúde e, por fim e no mesmo nível, bons salários. O salário mínimo não pode ser este, é uma tragédia. É preciso também uma campanha educativa dirigida aos ricos. Outro dia fui na casa de uma senhora abastada e ela estava orgulhosa porque pagava R$ 400 para a empregada. É preciso mudar essa mentalidade.

JU – O que o senhor acha de medidas sistêmicas para o enfrentamento dos problemas ambientais?
Kerr – Acho muito importante. Todo mundo goza do meio ambiente. Não é só o biólogo...Não é possível o país figurar como um dos maiores responsáveis pelo aquecimento global. Nossa Justiça está muito corrompida pelo dinheiro e talvez não se aperceba dos crimes ambientais.

JU – Seus trabalhos têm um componente marcadamente social. Uma crítica que se faz não raro às universidades, é a de que a maioria dos cientistas estão divorciados da nossa realidade. O senhor concorda?
Kerr – Eu diria que metade está divorciada. Atribuo isto, em primeiro lugar, à formação em casa. Quem consegue ingressar nas universidades, em sua maioria, são filhos de pessoas abastadas. Conheci uma família que comia carne diariamente, mas não deixava os empregados comê-la...É trágico! O sujeito aprende em casa como maltratar. E pior: acha que não está maltratando. A universidade pode mudar esse quadro.

JU – Como o senhor vê o governo Lula nas questões relacionadas à pesquisa?
Kerr – O governo deveria destinar pelo menos 4% para a ciência e tecnologia, e mais ainda para a educação. Na Holanda, por exemplo, vi várias escolas primárias que tinham uma bicicleta à disposição dos alunos, que podiam nela trabalhar (aprender a consertar). Eles criam uma vantagem mecânica; nós não temos isso. Fico impressionado no Brasil com o potencial das nossas crianças. Basta constatar a habilidade que elas têm nas coisas relacionadas à informática. Entretanto, há falta de computadores para a maioria da população. Acho razoavelmente fácil promover campanhas educativas de norte a sul do país. Mas, para que isso ocorra, é preciso ter vontade política...e verbas adequadas.

JU – Atualmente o senhor trabalha com que linhas de pesquisa?
Kerr – Trabalho principalmente em duas linhas de pesquisa. Uma é tentar salvar abelhas do grupo melípona, que têm sido destruídas porque dão um mel muito gostoso. Quando Pedro Álvares Cabral desembarcou no Brasil, os índios não gostaram do mel que ele trouxe (mel de Apis). Penso que ele provou o mel das nossas abelhas, e achou ótimo. O caso é que os europeus gostam muito do mel das melíponas.

Fizemos um teste na Amazônia para verificar quanto poderíamos aumentar o número dessas abelhas. Investi em 28 ribeirinhos até ter 300 colônias. Antes de sair do INPA entreguei-as a Dra. Gislene que em 3 anos conseguiu, com 200 meliponicultores, 80 mil colméias. Elas aumentaram a polinização no mínimo em 50 bilhões de flores fecundadas. Isso é importante para aumentar a polinização nas nossas matas, já que elas foram eliminadas. Tentei fazer isso em Uberlândia, há dois anos, quando coloquei 50 colméias no Parque Siquierolli. Estava indo tudo muito bem, mas dois ladrões levaram o mel de 40 colméias (de abelhas sem ferrões) em julho, deixaram as colméias abertas e morreram. O trabalho precisou ser reiniciado.

Desenvolvemos também trabalhos com índios. A primeira tese de Alexandre Colleto será defendida agora em janeiro. Trata-se da introdução de abelhas meliponídas – com toda a técnica de como criar e reproduzi-las – em aldeias de três etnias: Ticuna, Mura e Cocama. Foi um enorme sucesso. Todos os grupos, localizados no Amazonas, têm hoje mais de cem colméias e sabem o que fazer com aquilo. Todos eles lucram economicamente e a fauna ecologicamente.

JU – E qual é a outra linha de pesquisa?
Kerr – Nós achamos, na casa de uma pessoa, um pé de pequi sem espinho. Tenho um técnico muito hábil que fez 20 enxertos e pegou um; de 30 mudas, pegaram duas. Nós temos de melhorar o “pegamento” de mudas e de enxertos para andar mais ligeiro para fazer a distribuição em 10/15 anos. Não estarei mais aqui, mas só basta deixar a turma “formadinha”.

JU – O senhor cita muitas vezes o caboclo em suas histórias...
Kerr – Em Santa do Parnaíba, onde nasci, meus amigos todos eram caboclinhos. Gosto muito de “causos” de caboclos, eles foram muito importantes na minha vida. Quando fui vereador em Piracicaba, pelo Partido Socialista Brasileiros, fui eleito com os votos da “caipirada” – gente boa!

JU – Como foi a sua infância?
Kerr – Meus pais eram muito inteligentes. Meu pai fez até o segundo ano de engenharia, mas quando perdeu o seu pai, teve de se virar, já que naquele tempo não havia aposentadoria. Sua família era numerosa – 18 irmãos. Morei em Santana até os 3 anos de idade, depois fui para uma usina da Ligth, chamada “Rasgão”, que era chefiada pelo meu pai. Lá fiquei até os 12 anos de idade. A população do lugarejo, que na época pertencia à Santana do Parnaíba, era composta basicamente por caboclos, mecânicos e eletricistas.

JU – O gosto pela pesquisa já se manifestava?
Kerr – Já. Aos 8 anos de idade, já observas as abelhas sem ferrão. Até os 12 anos, havia feito três invenções. Uma delas era para aprender como a vespa voava. Minha mãe fazia manteiga e usava uma centrífuga para separar o leite e a gordura. Eu usei a centrífuga para fazer o experimento. Meu pai ficou entusiasmado e disse: “rapaz, você acaba de redescobrir o estroboscópio”.

JU – Do Rasgão para onde o senhor foi?
Kerr – Primeiramente meu pai me mandou para um internato em São Paulo. Não gostei do internato e me mudei para uma pensão que pertencia à família do Cornélio Pires [jornalista, escritor e produtor cultural]. O Cornélio colecionava piadas de caipira, a maioria tiradas da minha região.

JU – E o senhor ficou em São Paulo até que ano?
Kerr – Por conta da minha inclinação para a pesquisa, meu pai queria que eu fizesse Engenharia. Mas eu tinha um colega que, sempre que voltava de Piracicaba, falava maravilhas da ESALQ. Dizia que dava um baile nas outras escolas. Um dia, fui com ele para lá e me apaixonei pela escola, especialmente por conta dos insetos. Acabei lá. No começo do curso, achei que o curso de entomologia não era lá essas coisas. Fui perceber a dimensão quando comecei a ter aulas de Genética. Não sabia que existia uma ciência chamada Genética. Fiquei encantado. No segundo ano, me entusiasmei de vez. Trabalhava aos sábados, começando a pesquisar as abelhas. Algumas das descobertas acabei levando ao conhecimento do entomólogo Dr. Lent, do Museu Paulista de Zoologia. Ele ficou entusiasmado. Disse que os achados eram inéditos e sugeriu que eu os publicasse. No último ano do curso, dei para uma revista (O Solo) publicar.

JU – Sua carreira começava ai?
Kerr – Estava decidido. Friedrich Gustav Brieger disse-me que eu havia sido seu melhor aluno de genética e convidou-me para ingressar no seu time como professor-assistente. Eu havia acabado de me formar e aceitei a proposta, mesmo que para ganhar como técnico de laboratório. Ganhava salário mínimo. Passei a me dedicar à pesquisa integralmente. Descobri, então, uma coisa importante; que, no grupo melípona, as rainhas eram feitas geneticamente. Tratava-se de uma segregação genética. Dois anos depois de formado [1945], fiz doutoramento, que foi o primeiro da história da Escola – havia mais de 500 pessoas assistindo!

JU – E o que havia de inédito nela?
Kerr – Uma porção de coisa, a começar o número de cromossomos (9 para macho e 18 para a fêmea). Depois do doutoramento [1947] o meu salário melhorou. Em 1950, fiz minha Livre-Docência em Citologia e Genética. Passei os dois anos seguintes nos EUA, como professor visitante nas universidades da Califórnia (Davis) e Columbia (New York). Na minha volta a Piracicaba, fui contratado como professor colaborador.

JU – O senhor ficou até que ano em Piracicaba?
Kerr – Até 1958, ano em que fui para Rio Claro. Fui convidado para organizar o curso de Biologia da recém-fundada Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, um dos embriões da UNESP. Ainda em de Rio Claro, fui para FAPESP [1962-1964], onde fui o primeiro Diretor Científico da entidade. Em 1964, o governador de São Paulo, Carvalho Pinto, disse que não poderia nos manter em Rio Claro com o mesmo salário da USP. Resolvi então voltar em 1964 para USP, mais especificamente para a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, que estava criando o primeiro concurso de Genética feito no Brasil em faculdade Medicina . Fiz o Concurso, passei e criei o Departamento de Genética, onde também coordenei o curso de Pós-graduação durante cinco anos. Acabei me aposentando lá em 1981.

JU – Por que o senhor decidiu ir para São Luiz?
Kerr – Por desafio. Dois dias depois de me aposentar, subi na minha Kombi e parti para o Maranhão. Queria ver o quanto um professor renomado poderia fazer numa universidade precária. Valeu a pena. No meu curso, todo aluno fez um trabalho científico. Na festa de formatura, pedi que cada aluno falasse sobre suas respectivas pesquisas. O reitor Prof. Cabral ficou entusiasmadíssimo. Das Federais, virou uma boa universidade. Nela, fiquei de 1981 a 1987 como professor de Genética. Em 1988, assumi por um ano o cargo de reitor da Universidade Estadual do Maranhão.

Acontece que minha mulher não estava contente com o fato de morar em São Luiz. Muito longe da família. Quando me convidaram para trabalhar em Uberlândia, em 1991, decidi transferir-me. O convite foi feito por uma ex-aluna, Dra. Ana Bonetti (apoiada pelo Dr. José Olympio) que já havia conversado com o reitor. Ela era chefe do Departamento de Biociências.

JU – Um novo desafio...
Kerr – Fui até Uberlândia e falei com o Reitor Prof. Ataulfo. Pedi sete salas, dois laboratórios e uma área para fazer minhas pesquisas agrícolas. Fui atendido. Enquanto as salas eram preparadas, alugaram uma casa que transformei em laboratório.

JU — O senhor poderia falar sobre suas passagens pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia?
Kerr – Na minha primeira passagem como diretor, de 1975 a 1979, havia apenas um pesquisador que aparecia de vez em quando. Entrei com tudo. Exigi que todo o pessoal fizesse doutoramento e, no lugar deles, trouxe gente de todo lugar. Cheguei a ter um corpo de 38 pesquisadores estrangeiros. Quando eu saí, tínhamos 122 pesquisadores. Na época, numa conferência na Alemanha, o INPA foi classificado pelo Dr. H.Sioli como o maior instituto de biologia tropical do mundo. Acho que continua sendo.

JU – Como surgiu o convite?
Kerr – O presidente da época, Ernesto Geisel, mandou uma carta para vários diretores de institutos de pesquisa, reclamando que os cientistas só queriam saber de salários em dólar, não queriam saber de convites no estrangeiro que pagavam de salários indexados pela moeda nacional. Ele dizia que faltava patriotismo. Essa carta foi lida numa reunião. Levantei o braço e disse que assumia o desafio, aceitando o salário em cruzeiros o mesmo daqui. Falaram que eu estava louco, diziam que a malária ia me matar etc. Peguei só duas malárias...

JU – O que significou para o senhor a sua passagem pela Amazônia? Suas convicções mudaram?
Kerr – Já era apaixonado, mas a minha passagem pelo INPA consolidou muitas das minhas convicções. Acho que, para um biólogo, a Amazônia é a coisa mais importante que pode acontecer. Você tem um desafio atrás do outro. Meu primeiro trabalho com abelhas foi detectar quais eram as plantas necteríferas e poliníferas afora, fazer uma coleção grande de colônias de abelhas.

JU – Como foi o seu contato com as tribos locais?
Kerr – Até hoje falo com o pessoal. Aconteceu uma coisa curiosa, mas que é emblemática dessa minha relação com os índios. O Dr. Coutinho (da UNICAMP) foi gravar um programa lá em Manaus. Havia tido um massacre na região. Num certo momento, ele virou-se para mim e perguntou: “Professor, e os índios?”. Disse a ele que estava havendo uma imoralidade do tamanho do Amazonas. Relatei um massacre que havia ocorrido numa localidade conhecida como Barra do Capacete. Dei o nome dos mandantes e de quem havia cometido o crime, no qual morreram 14 índios. Deixei claro também a minha indignação com o fato de o massacre ter ficado impune.

Nunca imaginei que a minha fala fosse repercutir da maneira que repercutiu. Alguns índios e pessoas influentes assistiram ao programa em Benjamin Constant. Pouco depois, com a repercussão da entrevista, as autoridades retomaram o processo. Virei ídolo dos Ticunas e meu grande amigo em Benjamim Constante é o Ticuna.





Professor Warwick Estevam Kerr falece em SP
Geneticista reconhecido internacionalmente, pesquisador deixa legado para a ciência
por Autor:
Portal Comunica UFU



Dr Warwick Estevam Kerr, professor do Instituto de Genética e Bioquímica da UFU, entomologista, engenheiro agrônomo e geneticista reconhecido internacionalmente, faleceu no dia 15/9 (Foto: divulgação)
A Universidade Federal de Uberlândia (UFU) comunica com pesar o falecimento do professor aposentado Warwick Estevam Kerr, do Instituto de Genética e Bioquímica. Entomologista, engenheiro agrônomo e geneticista reconhecido internacionalmente, o professor Kerr faleceu no dia 15/9, por volta das 9 horas, em decorrência de uma parada cardíaca. Ele estava internado em um hospital de Ribeirão Preto (SP).

O professor completou 96 anos de idade em 9 de setembro. Ele era casado com dona Lygia, que faleceu em 2017. Deixa seis filhos. Em abril de 2017, o professor recebeu o título de “Professor Honoris Causa” da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). O título é oferecido a personalidades que se distinguem pelo saber ou pela atuação em prol da Filosofia, das Ciências, da Técnica, das Artes e das Letras, ou ainda, pelo melhor entendimento entre os povos e/ou em defesa dos direitos humanos.

Na UFU (1988-1999 e 2003-2010), Kerr implantou o curso de Pós-Graduação em Genética e Bioquímica em nível de mestrado (1994) e de doutorado (1999) e prosseguiu com suas pesquisas com abelhas, hortaliças e frutas.

Além da UFU e da UFMA, o cientista atuou em diversas outras instituições ao longo de mais de 60 anos de carreira: Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo (Fapesp), Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (Inpa), Universidade Estadual do Maranhão (Uema).

Uma mostra das condecorações e da produção científica do professor está disponível na Coleção Especial Dr. Warwick Estevam Kerr, na biblioteca do Campus Umuarama. Entre seus principais trabalhos está a introdução no Brasil da abelha africana, em 1956. Ele também desenvolveu um novo tipo de espécie de abelha, denominada "africanizada", que é mais dócil e grande produtora de mel. Outro destaque de suas pesquisas é a descoberta de um tipo de alface com 20 vezes mais vitamina A do que o comum. Além disso, Kerr foi presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, de 1969 até 1973. Em 1990, tornou-se o primeiro brasileiro a pertencer à Academia de Ciências dos Estados Unidos. Na UFU, embora aposentado em 1992, orientou alunos, ministrou aulas e realizou suas pesquisas até 2012.
Depoimento

Segundo o reitor da UFU, Valder Steffen Júnior, Dr. Kerr era a maior referência científica da UFU. O reitor lembra que ele formou diversas gerações de pesquisadores de tal forma que tem grande reconhecimento da comunidade científica nacional e internacional. “Dr. Kerr, além disso, sempre foi um ser humano muito afável. Todos aqueles que conviviam com ele se sentiam acolhidos. Sempre foi muito espirituoso, com uma palavra interessante, uma palavra nova, uma palavra de incentivo, de encorajamento às pessoas. Ele tinha ideias muito claras sobre a importância do sistema federal de ensino superior, da universidade pública, da universidade democrática”, destaca o reitor. Para Valder Steffen Júnior, o professor Kerr deixa, portanto, um legado muito significativo. “Em nome da UFU, desejamos manifestar nossa solidariedade à família, desejamos que Deus possa confortar a todos e deixar também patente nosso reconhecimento, a nossa apreciação pela enorme contribuição do Dr. Kerr durante os anos em que ele serviu como professor aqui na universidade”, ressalta.



Prof. Dr. Warwick Estevam Kerr manejando uma colônia de Melipona fasciculata no Meliponário em São Luís-MA, década de 1980 (Foto: arquivo pessoal)



Prof. Dr. Warwick Estevam Kerr e Prof. Dr. José de Ribamar Silva Barros em visita à Meliponário na Vila Nova, São Luís-MA, 2004 (Foto: arquivo pessoal)



Prof. Dr. Warwick Estevam Kerr e Prof. Dr. José de Ribamar Silva Barros em visita à Meliponário na Vila Nova, São Luís, 2004. (Foto: arquivo pessoal)

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