domingo, 26 de fevereiro de 2012

Entrevista com Dra. Florence Kerr-Correa - Pesquisa sobre uso de álcool ...




Professora Titular de Psiquiatria do Departamento de Neurologia e Psiquiatria da Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP

1. Em sua pesquisa, recentemente publicada, você detectou uma convergência do uso de álcool, entre os gêneros, para a população de Botucatu, mas não para Rubião Jr. Em vista disso, poderíamos afirmar que a convergência entre os gêneros sofreria influência de fatores socioeconômicos e culturais?

Não tenho a menor dúvida que sim. Os estudos sobre o consumo de álcool e outras drogas de forma alguma têm sido limitados somente a questões farmacológicas. Aliás, há um artigo do Alan Marlatt que mostra que “achar que bebeu” é tão eficaz quanto beber efetivamente. Em minha opinião, entre as mulheres, a possibilidade de comprar, ou seja, o acesso à bebida alcoólica, é a questão que mais prevê o consumo, que aumenta sua probabilidade de beber. Além disso, deve ser considerada a aproximação do papel social entre os gêneros.

Considerando as comunidades de Botucatu e Rubião Jr, o que as diferencia é que em Botucatu 80% das mulheres trabalham fora, é uma cidade que tem muitos serviços de saúde e muita mulher trabalhando e ganhando igual ao homem. Outro fator é conviver, no ambiente de trabalho, com homens que bebam. Por exemplo, em comemorações e datas festivas, a presença de homens que bebem é, geralmente, um estímulo para que as mulheres também bebam. Ao contrário, em Rubião Jr, 80% da população feminina não trabalha fora de casa, logo, se quiser beber, precisa ser junto do marido ou pedir dinheiro para comprar a bebida.

A questão de ter emprego e receber o suficiente para beber é fundamental. Há muita família em Botucatu que tem dois holeriths. Já Rubião Jr, um sub-distrito de Botucatu, tem nível sócio econômico menor, e também menos anos de escolaridade, e menos oportunidades. Proporcionalmente, tem mais alcoolistas, mas as mulheres não têm dinheiro e acabam bebendo menos. Entretanto, é importante ressaltar que, em Botucatu, mesmo as mulheres bebendo mais que a Rubião Jr, o padrão de consumo é leve a moderado, não são bebedoras pesadas.

2. Em sua opinião, quais os motivos subjacentes a essa convergência de uso?

A convergência de uso entre os gêneros se deve, principalmente, à possibilidade de acesso às bebidas alcoólicas, ter dinheiro na mão para comprar. O primeiro passo para uma pessoa ser, de fato, autônoma, é ter sua independência econômica. Se você tem dinheiro, você faz de fato escolhas em sua vida. Inclusive beber, sem que isso faça falta para as necessidades básicas. Se não tem, aí sua decisão fica a critério da vontade de outra pessoa, e menor será sua probabilidade de beber.

Por isso também o Projeto Genacis tem mostrado que o fator que mais se associa ao uso de bebidas alcoólicas (em oposição a ser abstinente completamente) no mundo ocidental é o nível educacional maior, um indicador indireto e bastante confiável de renda da pessoa. De um modo geral, aqueles com mais escolaridade ganham melhor.
3. Uma vez o consumo seja convergente, é de se esperar que os problemas a ele associados também o sejam?

Não necessariamente. Em todas as cidades onde tem sido feito esse trabalho de investigação epidemiológica, inclusive em São Paulo, o homem ainda bebe mais que a mulher e os mais jovens (até os 35, 40 anos) bebem mais que os mais velhos. Quanto a esse último aspecto, há diferença do nosso país para o exterior, quando comparamos o Brasil especialmente com países como o Canadá e Estados Unidos, em que os rapazes começam bebendo mais cedo, mas depois, ao redor dos 25 - 30 anos, abaixam esse consumo. No Brasil não, o homem continua bebendo bastante até os 40 anos mais.

Mas, é bom lembrar que as mulheres que bebem, o fazem de forma leve e moderada. Claro que há as que fazem uso pesado e problemático, mas não é a regra. A mulher não agüenta beber tanto quanto o homem por questões físicas e sociais. Socialmente, nossa sociedade ainda discrimina a mulher que fica alcoolizada, “de porre” publicamente. Além disso, as mulheres também têm alguma informação, sabem, por exemplo, que é errado beber durante a gestação porque isso causa uma série de problemas à criança. Na verdade, a convergência entre os gêneros quanto ao comportamento de beber, em termos populacionais, se deve mais à diminuição do beber entre os homens que o aumento desse comportamento entre as mulheres. Mais uma vez, a mulher geralmente não costuma fazer o uso problemático, a diferença é entre o número de mulheres que bebem e o número que não bebe.

4. Finalmente, em sua opinião, quais as medidas que as autoridades competentes poderiam tomar para acompanhar essa convergência de uso entre os gêneros?

Eu penso que a questão da idade de beber deva ser muito controlada. Medidas também, como a da Lei Seca devem ser incentivadas. Deve haver uma fiscalização para o cumprimento da lei, especialmente quando envolva questões de uma pessoa, ao estar alcoolizada, colocar a vida de outras pessoas em risco. Também deve haver um maior controle sobre o preço de venda de bebidas alcoólicas.



Outra coisa é a disponibilidade de informação. Mesmo que a mulher beba menos, observamos que, em certas fases da vida, a mulher bebe próximo do homem, como comumente observado entre adolescentes e universitárias. Além disso, há mulheres mesmo universitárias, que não sabem que o álcool interfere negativamente na gestação, particularmente no primeiro trimestre. Então ter informação é muito importante e que sejam informações não só sobre o beber com moderação, mas quetambém abordem os efeitos físicos do consumo de bebidas alcoólicas, especialmente no período da gestação, no caso da mulher.

Fonte: CISA - Centro de Informações Sobre Saúde e Álcool .

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